DO PAPEL ÀS REDES
Por Giovanna Vernacci
Histórias comuns de pessoas que encontraram conforto em poemas online
“Conheci o Antônio numa tarde vazia. Uma daquelas que tem preguiça de passar, sabe? Estava correndo o mouse pelas páginas intermináveis do Facebook e me perguntando o que estava procurando ali”, conta Rhaisa Trombini, 18 anos.
Foi sorte, ou somente uma complexa combinação de algoritmos programáveis na rede social, que fez com que Rhaisa e Antônio se encontrassem. Esse seria um belo início para um romance moderno, não fosse o fato de Antônio se chamar Pedro e ser um poeta digital.
Antes de entrar em todos os méritos conquistados pela poesia ao longo de séculos de existência, seria melhor entender o que é essa tal “Poesia Digital”. Para simplificar, pensemos que o estilo digital é tão somente uma mudança na linguagem e na estética poética. Portanto, um poeta digital é puramente um poeta. Porém, um que utiliza meios eletrônicos para criação e divulgação.
No decorrer dos últimos anos, foi possível perceber uma frequente e rápida propagação do estilo digital em inúmeras redes sociais. Surgiram Antônios, Clarices, Luans, Lucãos, isto é, uma gama indescritível de páginas e sites e blogues e perfis de poetas que fazem e divulgam seu trabalho online. Com uma rápida pesquisa, encontramos poemas em guardanapos, em cartões coloridos, em desenhos simples e nas mais complexas formas, cores e tipografias. Tudo feito online e compartilhado com centenas de milhares de usuários todos os dias.
E então...
Rhaisa começou a ler as pequenas rimas de guardanapo e os criativos trocadilhos que “Antônio” escrevia e postava com tanta maestria. Achou que “Antônio” não falava só com seu coração, mas com sua alma. “Senti que encontrei algo que estava buscando faz tempo: essas rimas que conseguem descrever todos esses sentimentos que não conseguia colocar em palavras”.
Pergunto por que acha que foi tão importante conhecer o “Antônio”, no que ela me responde ser uma pessoa muito sensível, que na maioria das vezes não sabe explicar os motivos ou os sentimentos. Quando é possível encontrar uma frase simples, mas que tenha o poder de explicar todos esses sentimentos “é muito bom! Me sinto mais leve”. Como dizia Mário Quintana, “Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente, e não nós a ele”.
Sabemos que não é de hoje que a poesia inspira. Quando escrita com maestria, é capaz de mexer com o leitor, de gerar sentimentos e respostas íntimas. A poesia funciona, e sempre funcionou como um remédio. Ela tem o dom de confortar. Ainda mais se pensarmos que ela está cada vez mais presente no nosso dia a dia.
A poesia sempre foi aquele gênero mais velado, mais elitista. Mas nesse exato momento, finalmente temos a liberdade – concebida pela internet – de usufruir do contato com estrofes e versos e rimas tão reconfortantes. É como se só agora nos fosse permitido sentir e fazer sentir de tal forma.
Compreendemos então que são nossas inquietações mais comuns – e também mais particulares – que nos fazem buscar esse algo a mais que encontramos na poesia. Já dizia Zygmunt Bauman, sociólogo polonês e autor de livros como “Amor Líquido”, que o consumidor busca sensações visuais agradáveis para tentar escapar da insegurança, da agonia de viver. É assim, com sua estética e linguagem impecáveis que a Poesia Digital tem atendido às questões íntimas do público. E é dessa maneira que encontra potencial para crescer cada vez mais, ganhando espaço em aplicativos, barras de favoritos e linhas do tempo de redes sociais.
O mais interessante é que a grande maioria das pessoas, quando perguntadas sobre como conheceram os poetas digitais, conta a mesma história. “Conheci através do Facebook e me apaixonei por essa poesia” ou “Estava passando tempo no Instagram e apareceu uma foto de letras diferentes em um guardanapo, o que me chamou muito a atenção (...) adoro a leveza das obras e a criatividade do estilo”, contam Beatriz Suyia e Bianca Briola, ambas estudantes. É esse público, perdido entre páginas fúteis na internet, que, ao encontrar a poesia, percebe que se depararam com tudo que sempre buscaram.

"Eu não gostava muito de poemas, sempre li mais em prosa, mas o jeito como ele [Antônio] faz os poemas é muito diferente do que estamos costumados a encarar, como Drummond. Então essa nova forma foi o que me chamou a atenção e me levou para esse caminho diferente". Foto: arquivo pessoal.

"Eu sinto que a galera que escreve e divulga na internet é muito boa, mas as grandes redes de comunicação deveriam valorizar mais, como fazem com a música. Isso daria uma puta ajuda para incentivar a galera ler, mesmo que seja online". Foto: arquivo pessoal.

"Esse tipo de poesia faz a gente ver que nem tudo é um caos, que são fases na vida que todos passam e que um dia vão embora, né?". Foto: arquivo pessoal.

"Eu não gostava muito de poemas, sempre li mais em prosa, mas o jeito como ele [Antônio] faz os poemas é muito diferente do que estamos costumados a encarar, como Drummond. Então essa nova forma foi o que me chamou a atenção e me levou para esse caminho diferente". Foto: arquivo pessoal.
É certo que cada um irá sentir e compreender o que é dito nos poemas de maneira diferente e particular. Seu significado sempre será variado e sua interpretação, sempre distinta. Entretanto, sabemos que todos passam por fases obscuras e confusas na vida e que “esse tipo de poesia faz a gente ver que nem tudo é um caos, que são apenas fases da vida que todos passam e que um dia vão embora”, continua Bianca.
Ouvir algo como: “A poesia me dá aquela sensação de chegar da rua em um dia chuvoso e tomar uma bela xícara de chocolate quente ou de estar apaixonada (...) de alguma maneira, a poesia me dá esperança”, talvez seja o melhor argumento para reconhecer e entender o porquê de páginas como Eu me chamo Antônio, Pó de Lua, Desatinoamor, Carpinejar e Em Prosa e Verso possuírem milhares de visualizações e seguidores.




Fotos: internet
PRATO PRINCIPAL: RIMA, VERSO E POESIA
Por Renata Oliveira



O poeta "Lucão", que leva pessoas das redes sociais as livrarias
Foto: arquivo pessoal.
Lucas Cândido Brandão, mais conhecido como "Lucão", sempre passou longe da boêmia das palavras. Nos textos que escrevia ainda criança imaginava-se no futuro como um policial que arriscava a vida ou um grande executivo de terno e gravata, parte disso não se realizou. Hoje, publicitário, cronista e poeta, ajuda as pessoas, mas na redescoberta dos versos nas livrarias, e prefere indiscutivelmente, o tênis e a camiseta.
Os livros foram um caso de amor a segunda vista na vida de Lucas, um aluno mediano que preferia o basquete e os amigos ao invés das palavras. A paixão tardia já rendeu duas publicações: É cada coisa que escrevo para dizer que te amo, de 2015, com mais de 15 mil exemplares vendidos, e Telegramas, publicado no ano passado. Procurado pela editora das obras em 2014, Lucas não tinha experiência no assunto, a ideia de escrever um livro nunca havia lhe passado pela cabeça, como a árvore e os filhos, pareciam uma ideia distante, mas para o mercado ele tinha algo melhor: alcance de público.
É no final da manhã em que Lucas fará a sessão de autógrafos de Telegrama em uma megastore de São Paulo que o poeta encontra um tempo para a conversa. “Vim o mais cedo que pude e amanhã vou embora o mais tarde que puder, é assim” diz ajeitando a mala de lado, enquanto começa a olhar o cardápio da padaria próxima ao hotel em que a editora o hospedou. Antes de decidir o sabor da pizza já esclarece que se considera escritor, seria excesso de modéstia dizer que não, e sem dar tempo para outras perguntas faz outra ressalva, isso também não significa que se ache bom.
Foi lendo Na margem do Rio Piedra eu sentei e chorei, do Paulo Coelho, que aos 17 anos eu redescobri o prazer de ler. Sim, com Paulo Coelho”, afirma rindo, “a leitura para mim é isso: não é ler porque as pessoas vão achar legal aquilo que você está lendo, é você quem precisa gostar”.
No perfil do instagram são mais de 410 mil seguidores e um efeito colateral escondido: sua caixa de entrada se torna uma ouvidoria, um espaço de elogios, críticas e desabafos. "Não tento oferecer nada, eu quero é brincar com a palavra”, diz Lucas quando o assunto é o objetivo dos seus versos, “mas o que as pessoas dizem que ofereço é conforto, tranquilidade, um começo de dia bacana”, tudo resultado, segundo ele, do amor que recebe da família, amigos e relacionamentos. “Eu tento viver próximo de onde tem amor, se eu vejo que não tem, já me afasto”. Graças ao sucesso, desde 2016 Lucão assina uma coluna quinzenal de crônicas para o jornal O Popular, de Goiás.
Na espera do que seria a primeira refeição consistente do dia, pergunto se o segredo do sucesso estaria em não esperar que as coisas acontecessem. “Isso pode te ajudar a construir algo realmente seu, que te satisfaz, mas plantar também é importante. No meu caso sabia que para escrever coisas melhores eu deveria sempre ler e isso se tornou um prazer na minha vida”, conta.
Publicitário de formação ele se divide entre a vida de poeta e a propaganda. Na primeira afirma encontrar liberdade, na outra é o oposto, na qual é uma obrigação satisfazer os desejos do cliente. Se para muitos se dedicar as duas tarefas seria viver em mundos completamente diferentes, a tranquilidade de Lucas serve para apaziguar o conflito. Para ele, as duas se assemelham no essencial: é preciso ser sucinto. Foi por causa da profissão que encontrou Luis Fernando Veríssimo. Ao contrário de uma pedra no meio do caminho, o escritor gaúcho se tornaria uma de suas maiores inspirações.
"Eu sabia que precisava entender o tipo de texto que queria escrever”
“Fiquei apaixonado pelo texto dele e me deu vontade de escrever do mesmo jeito, uma coisa que eu tentei e claro, não tinha a menor chance de acontecer”, diz entre risadas, “eu estudava demais a construção do texto do Veríssimo, me debruçava sobre as frases, analisava cada coisa, sabia que precisava entender o tipo de texto que queria escrever”.
Poema do livro Telegramas
A dedicação para melhorar, exigiria do goiano 99% de transpiração, 1% de talento e incontáveis noites mal dormidas.
No começo tudo era crônica. A poesia, que é pelo que Lucas é mais conhecido hoje, precisaria ainda de uma viagem ao Nordeste por meio da literatura de Ariano Suassuna, para que pudesse aparecer entre as coisas que se aventurava a escrever. Em uma escala inesperada acabou abrindo um livro Rubem Alves, e assim, sem esperar, teve um dos encontros mais importantes de sua vida. Nele, percebeu que poderia escrever poesia sem a “receita” aprendida na escola.
Lucas, entrava na aula e torcia o nariz para a poesia no quadro. Intragável. “Essa fórmula acaba fazendo a gente deixar de escrever algumas coisas para dar ênfase a estrutura e não no que está sendo dito”, comenta, “quando eu percebi que dava para abandonar isso, eu que odiava poesia passei a gostar”.
Apesar de ser fruto de uma geração de escritores que fazem parte da ampliação do acesso à internet, como Pedro Gabriel, Zack Magiezi, Clarice Freire, Pedro Henrique e Fabio Maca, Lucas se dedica mais as atividades fora da rede e resiste as diferenciações entre o virtual e o clássico. “Não existe poesia da internet, mas poesia que é vista na internet”, diz ao se referir aos poemas de autores como Mario Quintana e Manoel de Barros que vira e mexe aparecem pelas timelines. “Essa coisa mesmo de poesia fast-food é uma besteira tremenda. Coisa de quem não sabe ler o que está sendo dito. Mario Quintana não era um poeta fast-food, mas muitas vezes escrevia desse jeito”.
No mundo cibernético, entre acusações de plágio e a busca por curtidas, Lucas diz que o essencial é saber diferenciar. “Eu não uso a internet para me divulgar, mas para me expressar”, conta, “se as redes (sociais) são usadas só para isso a poesia se corrompe, perde a leveza”. Quando o assunto é a cópia, ele larga os talheres. “Sempre quero escrever como o Manoel de Barros, Rubem Alves e o Gabriel Garcia Márquez, mas é um querer meio invejoso no bom sentido, de gostar muito”. Para o poeta, o prazer não está no fim, mas na caminhada pela busca da própria linguagem, por pior que ela seja. “No momento em que começa a me parecer com qualquer outra coisa que já foi escrita eu perco completamente o prazer”.
"O grande poder da poesia está em promover reflexões, boas ou ruins, em uma sociedade que vive uma rotina"
Para manter o ritmo de publicações diárias nas redes, ele revela que é preciso sempre ler antes de escrever. De manhã, na hora do almoço ou a noite. O lugar também fica em segundo plano. Pode ser no avião ou em terra firme, o importante é tomar nota antes que as palavras fujam para depois gastar um tempo “amaciando” cada uma delas. Se o tema é o amor é ainda mais difícil. “O amor tem muitas facetas e parece que quanto mais me debruço sobre ele para tentar desnudar ao máximo menos consigo, mas para mim o tema essencial da poesia é outro”, diz em tom de segredo mas sem diminuir o tom da voz, “é a existência humana, sem isso o verso se esfria, se apaga". A frase é cortada para dar tempo do último pedaço da fatia de pizza não esfriar. "O grande poder da poesia está em promover reflexões, boas ou ruins, em uma sociedade que vive uma rotina. Ela não tem uma função, mas ela é fundamental para gente ter existência, vida, para permitir que a gente respire".
A pizza termina e o suco acaba. Lucas se levanta para seguir com o dia, desfazer as malas e quem sabe em segredo treinar a caligrafia que irá ocupar as folhas de dezenas de livros. Como em uma crônica de Rubem Alves a vida continua sem demais tropeços, mas é impossível fingir que a poesia não aconteceu. Se ela é de fato o ar que se respira, só quem é poeta pode ter certeza na resposta, fica a quem nunca soube rimar direito a impressão indiscutível de que ela ajuda no trato digestivo ao ser a principal causa de grandes sorrisos.
Texto publicado no instagram do autor em 9/1/2017
O REAL E O VIRTUAL SE JUNTAM EM MEIO ÀS ROSAS
Por Gabriela Gonçalves e Raisa Soave
Ao passar dos anos a poesia vem chegando às pessoas de maneiras diferentes. Hoje não há necessidade de ir até uma biblioteca e escolher um livro de sua preferência, basta uma busca rápida na internet que se encontram diversos autores online, se utilizando dessa ferramenta para alcançar mais consumidores para suas obras, antes mesmo de uma publicação. Apesar do avanço da tecnologia na hora da divulgação, ainda existe métodos de se aprender a escrever em cursos presenciais.
Para quem procura alguma maneira de graduação como escritor, a Casa das Rosas em São Paulo oferece o Curso Livre de Preparação do Escritor (CLIPE), que tem como objetivo contribuir para criação literária e em todas as suas etapas e gêneros, proporcionando aos autores iniciantes e as pessoas que queiram escrever e publicar obras literárias capacitação técnica e recursos de profissionalização.
O CLIPE foi inaugurado em 2013 com mais de 500 inscritos. Esse ano devido à grande repercussão foi divido em três grupos e em gêneros: prosa, poesia e ensaio e teve mais de 1300 inscritos.

Aula do CLIPE 2017 na Casa das Rosas
Foto: Renata de Oliveira

Sarau de Poesia na Casa das Rosas, em 27 de abril
Foto: Raisa Soave
O coordenador do curso, Reynaldo Damazio não planejava que houvesse esse grande sucesso. "Esperávamos a procura, e não uma coisa tão grande como esta". O objetivo do curso é aumentar o conhecimento do aluno para que ele saia do curso com uma experiência e seja autocrítico.
Devido à grande procura de jovens com idade abaixo de 18 anos, foi inaugurado o CLIPE Jovem em 2014, também conhecido como “clipinho”. Jovens de 14 a 18 anos passam quatro meses aprimorando seus conhecimentos na área de literatura e fazem apresentações em saraus pela cidade e na Casa das Rosas.
Para Reynaldo a pessoa não precisa nascer com o dom de escritor, ela pode aprender como qualquer outra profissão. "Escrever não é para poucos, eu acredito que se pôde aprender a ser poeta. O médico não nasceu médico, assim o poeta não nasceu poeta", afirma o coordenador.
Mesmo que o curso possa ser visto por muitos como uma maneira de manter a poesia tradicional pela publicação em livros, o centro também estimula outros meios de divulgações, como lançamentos de E-books e fanzine. Segundo Reynaldo a poesia é difícil de circular e se devem encontrar opções para facilitar o caminho até onde se quer chegar.
A poesia tem dificuldade de se firmar como gênero no mercado editorial, os números apontam dificuldades na venda espontânea, contudo, os poetas da internet têm facilidade por ter um público fiel. As redes sociais são ferramentas que se bem utilizadas podem fazer diferença na vida de um escritor, porém, um “curtir” ou “amei” não substitui o contato pessoal, a reação que suas palavras podem causar em outro indivíduo.
Poema sem título, de Reynaldo Damazio
Katharine Terzian Megale, 26 anos
Poema "O Motivo" de Cecília Meireles.
DO OUTRO LADO DA POESIA
O professor dos versos

Por Carolina Barone
Nascido em 1974 no estado de Mato Grosso, o professor e mestre literário Paulo Rogério Ferraz, de 43 anos, dedica-se à poesia desde a juventude. Hoje, morando em São Paulo, ministra cursos de poesia na Casa das Rosas – espaço paulistano de manifestações culturais com enfoque em literatura e poesia. Poeta tradicional, usando lápis e papel, já publicou três livros: "Constatação do Óbvio" (1999), "Evidências Pedestres" (2007) e "De Novo Nada" (2007), esse último publicado também no México e no Equador. Durante bate papo com a equipe do “Poesia Digital”, Paulo fala de sua carreira, de poesia e do novo espaço que esse gênero literário está ocupando na web.
Foto: arquivo pessoal
Poesia Digital: Quando você começou a dar aula de poesia?
Paulo Ferraz: Há mais de dez anos. Após ter publicado meu primeiro livro e iniciado meu mestrado, comecei a dar oficinas de criação literária, sendo que nos últimos cinco ou seis anos tenho todo ano ministrado algum curso, alguns mais teóricos outros mais práticos.
PD: E quais são suas inspirações para escrever?
PF: A inspiração é a própria relação com o texto poético que acaba se convertendo em um modo de ver a vida. É preciso estar atento e ter os instrumentos para transformar nossa sensibilidade em um poema.
PD: Como elas são feitas?
PF: Em geral quando surge uma ideia raramente escrevo. Procuro conviver com ela, pensar naquilo, sentir todas suas possibilidades, pois um poema é sempre sem forma no início, é apenas uma impressão, um pensamento não muito claro. Depois começo a rascunhar e vou de tempos em tempos lendo, numa tentativa de ver o poema de fora, pois me importa muito a reação do leitor, não simplesmente o que quero dizer, mas se consigo passar tudo o que quero.
PD: Qual o tema essencial das suas poesias?
PF: Meu tema passa sempre pelo cotidiano das pessoas, pelos costumes, pelos hábitos que fazem de nós o que somos. Procuro extrair daí às impressões, as sensações que nos ligam e nos permite compartilhar as mesmas ideias.
PD: Você posta suas poesias apenas em suas redes sociais?
PF: Sim, embora ache que é preciso tomar algum cuidado com a poesia em redes sociais. Quando comecei a escrever havia sites, depois blogs, por fim chegaram às redes sociais que de fato dão maior visibilidade que qualquer livro, mas sempre me questiono se um poema será devidamente lido entre uma foto de uma paisagem, uma discussão política e o "meme" do dia. A poesia merece mais, pois exige atenção e tempo. O número de curtidas não é um bom termômetro de qualidade.
PD: O que você acha sobre os poetas que surgiram na rede? (Como “Eu me chamo Antônio”, Clarice Freire)
PF: Tenho visto poetas que compartilham poemas rápidos e fáceis de serem entendidos, versos bem construídos, em geral bem-acabados, mas ao mesmo tempo aqueles que li me parecem um tanto fáceis, de rápido entendimento, pois tem o foco na mensagem, e a poesia é mais que mensagem.
PD: Você acha que a poesia tem perdido espaço para outros gêneros literários?
PF: Desde pelo menos a década de 1960 a poesia deixou de ser central na vida dos leitores. Quais as razões? Talvez porque a partir de então a indústria cultural tenha sido mais eficaz em oferecer produtos que saciam a necessidade artística das pessoas. A poesia vive em um nicho muito pequeno, mas em geral muito exigente.
PD: As pessoas ainda têm resistência ao gênero?
PF: Em alguma medida sim, pois a poesia exige uma postura ativa do leitor; o poema se refaz na leitura, tem níveis mais profundos de compreensão, mas as pessoas insistem em uma postura passiva no qual o produto vem pronto e acabado. Vem daí a frase tão comum "eu não sou bom leitor de poesia". Não há mau leitor por si só, o que falta é a prática e a paciência.
PD: É por conta da forma que é ensinada nas escolas ou do mercado editorial?
PF: A poesia pelo menos para mim nunca foi devidamente ensinada, sempre foi uma espécie de ilustração de um tema da gramática ou da sintaxe, ou apenas uma sucessão de escolas e movimentos. Isso não é poesia, é informação para passar no vestibular. Ensinar poesia implicaria em estimular a leitura desde cedo, deixar o aluno livre, sem cobrar nada, pois a poesia não pertence ao mundo do falso ou verdadeiro.
PD: Quando você diz ser professor de poesia, qual a reação das pessoas?
PF: Ainda é uma situação estranha, pois ainda se confunde com o professor de literatura ou de português. Mas aos poucos é um trabalho que vem sendo reconhecido, mesmo que numa escala ainda pequena.
PD: O que um bom poeta deve ter?
PF: Não há regras para ser um bom poeta, mas em geral aqueles que assim identificamos são pessoas que mantiveram uma inquietação diante da vida e da linguagem, que não se resumiram aos lugares comuns, que não se deixaram vencer pelas ideias dominantes. Claro que na sua maioria dominavam as técnicas e a história literária, mas isso por si só não faz um bom poeta, ele precisa ir além, precisa questionar a si e a todos.
PD: As suas poesias já deram algum tipo de retorno?
PF: A poesia me fez ser quem sou me trouxe amigos, me levou a conhecer outras cidades e outros países, me trouxe uma constante curiosidade em torno da nossa língua e de outras. Tudo isso já é muito. Do ponto de vista material, bem, o que trouxe é bem menor do que tudo o que citei. Espero que com o tempo seja possível vender livros como se vendem discos ou ingressos do cinema, mas por ora é uma ilusão que todo poeta cativa.
MAIS QUE LITERATURA
A inércia da poesia
Por Raisa Soave

William Motomitsu começou a escrever com treze anos de idade, como uma forma de conversar consigo mesmo. Os versos eram para o menino uma forma de expressar coisas que não conseguiria falar em voz alta. A intimidade com as letras desde tão cedo não fez com que William tomasse um caminho óbvio. Formado em física pela Universidade de São Paulo (USP), há 30 anos, ao invés de declamar poemas e analisar a fórmula das rimas, na sala de aula ensina para os seus alunos sobre a lei da gravidade e os cálculos que levam os movimentos retilíneos e uniformes.
Foto: arquivo pessoal
Apesar do que poderia parecer um conflito entre áreas tão distintas, quase uma vida dupla, o professor acredita que a física e a poesia estão muito relacionadas. “A poesia ou o poema é uma construção minuciosa, árdua, constituída de várias partes que se encaixam, se comunicam e se completam, como na Física. Nesse sentido, construir um poema para discorrer sobre algum tema é bastante próximo da construção de uma teoria, hipótese e ideia da física. O que muda, talvez, seria a linguagem”, afirma William.
A poesia, além de ajudar o professor a se conhecer melhor, também foi peça importante para que conquistasse o amor de sua esposa. Casado há três anos, Linda Kubota, era inspiração de muitos de seus versos.
Publicou em 2015 o seu livro “Vivências em Fragmentos”, que conta desprazeres e decepções que o autor viveu. É dividido em quatro partes, as duas primeiras são poemas em versos livres, a terceira é constituída por poemas em prosa e a última traz uma série com seis poemas expõe a “estrutura-rima” de um soneto e hoje está escrevendo outros textos que fogem um pouco do estilo de seu livro, mas ainda não tem previsão do lançamento de sua próxima obra.
Os poetas que o influenciam são Augusto dos Anjos, Antero de Quental, Charles Baudelaire, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Ele é uma pessoa prática, prefere poesias e poemas a romances por muitas vezes serem mais rápidos.
Para William acostumado a ocupar extremos, entre os números e as letras, entre os ebooks e as estantes de madeira, a poesia digital se torna interessante por utilizar uma linguagem e construção sugestivas e bem construídas relacionando-se com imagens. “A Língua e a comunicação são dinâmicas, mais cedo ou mais tarde elas se adaptam a época, a poesia que está na internet é uma prova disso”, afirma. O poeta presume que a poesia digital é muito interessante devido utilizar uma linguagem e construção sugestivas e bem construídas relacionando-se com imagens.

A DUQUESA
Quem é essa dama de cabelos longos e negros,
Com uma fisionomia tão intensamente desenhada,
Que,
Com a cabeça erguida,
Dá a impressão de sorver a terrível poesia de um campo de batalhas?
Caminha por entre as quimeras,
Desvia os olhares das almas que estão ao seu redor,
Com as suas aparentes cintilações róseas dos campos dilacerados da Crimeia.
Mulheres cortesãs, “ladies” orgulhosas, frágeis “misses”,
Despencam os seus torpedos olhares contra esta que está alheia a quaisquer circunstâncias;
Pompas e solenidades estão a lhe oferecer toda e qualquer arquitetura,
O rei lhe envia um mensageiro que lhe diz todas as palavras campestres, reais e doces,
Porém vazias;
A Duquesa, alheia, continua a sua caminhada;
A guerra, o amor e o jogo estão a se engalfinhar dentro de si.
Incrível como esta mulher carrega consigo todas as matracas mecânicas,
Invisíveis face às fracas imaginações e aos fracos olhares;
Repentinamente,
Surge-lhe um pastor anglicano que estava à espreita;
Tenta, em vão, suplicar-lhe a revelação de seus segredos;
Mas mal sabe que frente aos olhares desta Duquesa,
Não passa de um cadáver;
Como estas modas são encantadoras, porém medíocres,
Como são levianas!
A caminhada continua,
A Duquesa está a olhar para o horizonte perseguindo o seu destino,
Alheia a qualquer interferência,
Carrega consigo todo o “Mundus Muliebris”,
Mas o que desperta, de fato, a sua atenção,
É que ao final desta caminhada,
Restar-lhe-á apenas este sabor amargo do vinho da vida.
- William Motomitsu
RETRATOS DA LEITURA
Por Gabriella Ignácio
De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2016, 44% da população não lê. Executada pelo Ibope por encomenda do instituto Pró-Livro, a pesquisa ouviu mais de 5 mil pessoas, alfabetizadas ou não. Dentre os motivos destacados, a falta de tempo e o "não gostar" de leitura é o que dificulta o hábito e a ampliação do número de leitores no Brasil, explica o presidente do Instituto Pró-Livro, Marcos Veiga Pereira. Ainda assim, 47% afirma que usa a internet em seu tempo livre, o que de uma forma indireta faz com o que brasileiro leia.
Além dos números, deve-se lembrar que o mercado editorial jamais experimentou uma década tão promissora, mesmo com a publicação de 2016 da Fide com o apoio da Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) e da CBL (Câmara Brasileira do Livro) que envolve 70% das editoras brasileiras aponta uma queda na venda de livros de 2014 para 2015. Em 2015 foram produzidos 52.497 títulos (446.848.571 exemplares), entre novos e reedições, contra 60.829 (501.371.513 exemplares) no ano anterior.
Mas, e a leitura digital?
Retratos da Leitura no Brasil destaca que 52% dos leitores do meio digital, usam a internet na busca de notícias e informações, outros 35% dos entrevistados fazem pesquisas escolares, 32% buscam por temas de seu interesse. Mesmo com uma procura baixa por livros, representando 15% do público total, o estudo considera o número positivo para o mercado.
Outra pesquisa realizada no primeiro semestre de 2013, coordenada pelo investigador do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) Gustavo Cardoso aponta que 48% dos inqueridos - de diversos países - destacam as facilidades da leitura digital. Na lista de aspectos valorizados, 43% dos entrevistados reforçaram a possibilidade de gravar instantaneamente o texto lido, a alternativa de associar um comentário foi destacada por 32% das pessoas ouvidas, a partilha em tempo real por 30% e a vantagem de saber quem já leu aquele mesmo texto por 23% . A pesquisa revela que o usuário de suportes digitais é, caracteristicamente, um leitor de formatos impressos, o que não se pode dizer que quem lê em papel seja necessariamente um leitor digital. Para Gustavo Cardoso, a leitura digital é um "conceito vago e multidimensional", o que a partir da pesquisa se conclui que estamos diante de novos leitores, "(Eles são) novos, porque alguns que liam em papel passaram a ler agora também em digital e novos também, porque alguns não leriam em papel e passaram a fazê-lo", finaliza o coordenador.


Imagem: Instituto Pró-Livro

